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EVANGELHO QUOTIDIANO

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

"Como Levar a Bíblia ao Povo de Deus, Hoje"

1. Critério fundamental: “E necessário que toda a pregação da Igreja (...) se alimente e seja orientada pela Sagrada Escritura” (DV 21). O centro da palavra de Deus é a pessoa de Jesus, etc.

2. CRIAR ESTRUTURAS PARA PÔR EM RELEVO A PALAVRA
2.1. A Igreja nada impõe a propósito da Palavra,
nem criou oficialmente qualquer estrutura específica em relação ao estudo da Bíblia para a formação permanente dos leigos.
a)
É necessário tornar mais bíblica a pregação de certas devoções.
b)
Evitar a pregação moralista sem qualquer suporte bíblico ou com uma ligação duvidosa à Palavra.
c) É necessário promover e difundir as Comunidades da Palavra, em diferentes lugares das paróquias, onde não há possibilidade de qualquer celebração.
d) Credenciar oficialmente o “Ministro da Palavra” (DV 23). Mas, primeiramente, é necessário formá-los, com a devida preparação.
e) Fazer da Bíblia o principal instrumento da catequese de adultos, mediante a “Escola Bíblica” ou “Escola da Palavra”. A Palavra deve ser estudada, a fim de que os fiéis não caiam em leituras fundamentalistas ou moralizantes.
f) A experiência do card. Martini, em Milão, sobre a Escola da Palavra para jovens, é uma maneira muito simples e modelar de levar a Palavra aos jovens:
g) Serões com a Lectio Divina: é outro exercício popular com a Bíblia, seis dias seguidos.
h) Fundar pequenos grupos bíblicos ou Células da Palavra, a partir de breves e simples Cursos Bíblicos.
i) Para remediar catequeses demasiado superficiais e pouco “profissionais”, deveria instituir-se quanto antes o Ministério de catequista.
j) Instituir a Bíblia da Família. Uma Bíblia grande estaria em lugar especial e de destaque como sacramento da presença de Cristo na casa. Este destaque ficaria ao livre arbítrio dos membros da família que deveriam combinar o espaço, o adorno e o que fazer com a Bíblia: ler um versículo à entrada e saída, uma breve leitura partilhada todos os dias ou, pelo menos, uma vez por semana, que seria o “dia da família”, etc.
l) A Assembleia Bíblica Mundial (Bogotá, 1990) recomendou a reflexão bíblica em grupos, assim como o Sínodo dos Bispos sobre a Palavra.
m) Criação de uma Comissão ou Secretariado Episcopal para a Formação Bíblica.
Tudo isto não dispensa um Plano Nacional de Pastoral Bíblica, que aponte caminhos e pistas para a formação bíblica do povo de Deus. A DV insiste nos deveres do Magistério (papa e bispos) em relação com a pastoral da palavra de Deus.

3. Resistências a uma pastoral bíblica
a) O clericalismo tradicional, de clérigos e leigos
, que leva à passividade e a uma visão liturgizante da fé cristã, eliminando praticamente toda a dimensão profética da mesma.
b) Falta de sensibilidade do clero para uma pastoral centrada na Bíblia, que impede qualquer tentativa de renovação da Igreja.
c) Mentalidade sacramentalista dos párocos, que impedem os leigos de entrar na dinâmica da Palavra.
d) Desconfiança, por parte dos padres e bispos, dos pequenos grupos e comunidades que usam a Bíblia. Esta desconfiança dos pequenos grupos leva ao monopólio da pastoral por parte dos párocos, o que traz as consequências nefastas de todos conhecidas.
e) A este aspecto vai ligado o de certas mentalidades que lutam por uma Igreja de massas em vez de uma igreja evangelizadora através de pequenos grupos.
f) Em muitas comunidades há apenas a preocupação de levar o Catecismo às pessoas, sem levar a Bíblia.
g) Ritualismo estereotipado na celebração da Eucaristia, que afoga toda a iniciativa.
h) Marianismo ou Cristianismo?
i) Falta de confiança nos leigos (Christifideles laici)
j) Facilitismo cristão: paróquias, “loja do Cidadão” dos católicos.

4. Da Palavra à Eucaristia
4.1. Os liturgistas têm exaltado a Liturgia como espaço especializado da leitura da Palavra. E é verdade, como é afirmado na constituição Sacrossantctum Concilium do Vaticano II. Mas a Igreja não diz que este é o único espaço de contacto com os Livros Santos. Há muitos outros espaços individuais ou comunitários onde a Bíblia deveria tornar-se o alimento fundamental do cristão.
4.2. A preparação para a Eucaristia deveria começar pela preparação da Palavra, pois Cristo-Palavra tem sido, efectivamente, relegado para segundo lugar.
* Seria ideal que a homilia fosse participada, antes ou durante a celebração.
* A necessária utilização do mesmo texto que os fiéis lêem em particular ou na liturgia.

DA PASTORAL BÍBLICA À ANIMAÇÃO DE TODA A PASTORAL:
3ª descida
5. DO MOVIMENTO BÍBLICO À ANIMAÇÃO BÍBLICA DE TODA A PASTORAL

5.1 A DV 21-26 é o ponto de referência desta temática. Tem havido três etapas na formulação do Movimento Bíblico em relação com a pastoral bíblica: a) Movimento Bíblico; b) Pastoral Bíblica; e) Animação bíblica de toda a pastoral. Hoje não se fala tanto da pastoral bíblica, mas da Animação Bíblica de toda a Pastoral.

6. Ainda é actual a Pastoral Bíblica? Fica a questão: Se a Escritura deve estar presente em toda a pastoral, com toda a sua pluralidade de riquezas, haverá ainda lugar para a Pastoral Bíblica? É evidente que sim. Vários motivos, sobretudo devido à profunda ignorância bíblica dos católicos, em geral.
6.1. Papel da Palavra e da Animação bíblica da Pastoral.
6.2. Projecção de Animação Bíblica da Pastoral. Algumas pistas….

7. CONCLUSÕES: A 5ª Conferência Geral de Aparecida decidiu: animação bíblica da pastoral, cuja finalidade é animar, consolidar e guiar o ser e actividade da evangelização da Igreja: pressupõe que a Bíblia seja o sujeito da evangelização e, por esse facto, de todas as actividades pastorais da Igreja, que se converta no elemento fundante e transversal de todas as pastorais, que se considere como a sua fonte e o seu modelo, na dinâmica Bíblia e Vida.

7.1. Se Jesus é a Palavra incarnada, ao dirigir-se aos homens, a sua finalidade primeira é reunir à sua volta, convocar, formar a Igreja como comunidade da Palavra. Porque, se são convocados pela Palavra, o conjunto dos discípulos – a Igreja – não podem deixar de ser uma comunidade da Palavra. Por isso, há uma relação dinâmica entre Palavra e Igreja e esta relação é, por assim dizer, de causa-efeito: a Igreja é uma criação da Palavra (DV 8). A Igreja é ouvinte da Palavra, antes de ser anunciadora. Por isso poderia definir-se como discípula da Palavra (EN 15).

7.2. Mas tudo o que acabamos de dizer, a propósito da Palavra, desemboca, naturalmente, no carácter missionário da Comunidade cristã. O Espírito, alma da Igreja, não é um Espírito fechado ou trancado por portas ou ferrolhos, como antes do dia do Pentecostes. É urgente encontrar estruturas de acolhimento, onde, no irmão/irmã que acolhe, os que andam talvez afastados da Igreja, encontrem o rosto acolhedor de Jesus (Lc 15,1-3).
É urgente encontrar estruturas de encontro das pessoas, no sentido de desmassificar, dividir as pessoas em pequenos grupos, onde cada um encontre não só um amigo ao nível humano, mas também o lugar da vivência e da expressão da sua própria fé. É isto que fará da paróquia uma Comunidade de comunidades. Será bom pensar que a paróquia já não é o único lugar da evangelização e do encontro celebrativo da fé dos católicos. A “paroquialite” de certas pessoas, não tendo em conta este facto sócio-religioso, combate os grupos ou marginaliza-os, em vez de os integrar, como outros tantos carismas, que tanta falta fazem nas nossas comunidades.


Frei Herculano Alves, OFMCap (trabalho apresentado no 5º dia da XV Semana Bíblica Diocesana 27/11/09)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

"A Palavra de Deus, Fonte de toda a Pastoral"

Introdução. O único Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja tratou os temas: A Voz da Palavra, O Rosto da Palavra, A Casa da Palavra e Os Caminhos da Palavra. Toca-nos tratar este último aspecto. Quero fundamentá-lo teológica e biblicamente, mediante a Condescendência da Palavra, partindo de João: E o Verbo se fez homem e veio habitar connosco (Jo 1,14).
Este trabalho será dividido em três partes ou três descidas da Palavra: a “Descida da Palavra eterna ao meio da humanidade”; a descida “Da Teologia da Palavra à Pastoral da Palavra”, terminando com a terceira descida: “Da Pastoral Bíblica à Animação Bíblica de toda a Pastoral”.

1. A PALAVRA ETERNA DE DEUS (LOGOS)
O Prólogo de João apresenta-nos Jesus como Palavra eterna do Pai, o que já traduz o culto que as comunidades cristãs prestavam, em forma poética e sobretudo teológica e orante, à divindade de Cristo como Palavra de Deus; por isso O intitulavam de LOGOS, Verbo (Palavra de Deus), talvez porque o termo “Sabedoria” (sophia), do AT, é feminino, o que poderia provocar algum escândalo, se fosse dado a Cristo!

2. A PALAVRA CONDESCENDENTE DE DEUS: 1ª Descida
DV 13 ressalta a “sun­katábasis” ou “con-descendência” de Deus em relação ao homem e reafirma que a Palavra de Deus é fruto do seu coração amoroso de Pai. Este tema é desenvolvido noutros números da Dei Verbum, que faz a comparação entre a encarnação do Verbo eterno na linguagem humana e no seio de Maria, ou seja, a condescendência por ter assumido a natureza humana e por ter assumido as palavras humanas. Consequência:

3. A PALAVRA MEDIADORA DA REVELAÇÃO. Porque a Palavra eterna desceu até nós, Jesus é o único mediador da Revelação de Deus à humanidade, pois só Ele conhece o Pai, e também o Pai é o único que o conhece plenamente a Ele (Mt 11,27; ver Jo 3,35-36; 13,3; Gl 1,16; Heb 1,2); É Ele a imagem do Deus invisível (Cl 1,15) e nele habita toda a plenitude de Deus (Cl 1,19). Se a Palavra é mediadora, é por ela que vamos até Deus.

4. DA TEOLOGIA DA PALAVRA À PASTORAL DA PALAVRA: 2ª descida
4.1. Sujeitos da interpretação da Bíblia

4.1.1. Pressuposto. Deus é Ágape, Logos e Pneuma. Todo o baptizado, enquanto sujeito crente, é directamente sujeito do Ágape, sujeito e intérprete da Palavra e sujeito portador do Pneuma.
4.1.2. A DV (cap. VI) trata da Sagrada Escritura na Vida da Igreja, que o Sínodo actualizou. Este tema torna o leitor sujeito da interpretação da Bíblia. Há três sujeitos de interpretação: Magistério, exegetas e povo. Cada um destes três sujeitos tem o seu espaço de interpretação da Bíblia: o bispo no espaço bíblico-jerárquico; o exegeta no espaço académico. O do povo de Deus necessita dos dois anteriores, mas deve ser um espaço com identidade específica.

5. A MISSÃO EVANGELIZADORA DA IGREJA
5.1. O que é a Pastoral Bíblica?
É o trabalho que a comunidade eclesial realiza servindo-se da Bíblia (leitura, interpretação e celebração), como instrumento de evangelização, de modo a torná-la “o apoio e o vigor da Igreja e fortaleza da fé para os seus filhos, alimento da alma, fonte pura e perene de vida espiritual” (DV 21). A tarefa da Pastoral Bíblica é a evangelização, que é a essência do agir da Igreja (EN 13). Evangelizar consiste na transmissão do Evangelho. A pastoral bíblica é a resposta aos desafios de hoje: Fundamentalismo...
Se a Igreja, sobretudo depois do Concílio, produziu tão belos documentos sobre a Bíblia para os católicos, porque é que estes se encontram no bem conhecido estado de “ignorância das Escrituras”? Para responder a esta questão, é urgente:

5.2. Evitar a ruptura entre os exegetas e o povo de Deus. Aqueles são objecto de desconfiança por parte de alguns grupos ou de algumas pessoas da Igreja. Desta crise de confiança, resulta uma certa desconfiança na própria Bíblia.

5.3. Os Agentes de Pastoral são essencialmente mediadores desta crise de confiança, entre o exegeta e o povo. Não é papel do exegeta baixar ao nível do povo; nem o povo tem obrigação de conhecer a Bíblia sem que ninguém o ensine. O que falhou na Igreja foi a acção dos Agentes da Pastoral.
* Deve, pois, haver uma relação estreita entre o exegeta e o pastoralista, sob pena de os estudos bíblicos não terem qualquer impacto real na leitura da Bíblia: relação de uma mútua colaboração.
* Podemos dizer que a relação vital entre os estudos bíblicos e a Igreja assenta em duas fidelidades inseparáveis: a fidelidade à Igreja e a fidelidade à Bíblia. Não se pode ser fiel à Igreja sem a Bíblia e não se pode ser fiel à Bíblia fora da Igreja.
* Para ser mais eficaz, a Pastoral Bíblica deve passar ainda por uma desclericalização da Bíblia.

6. Características da Pastoral Bíblica:
a) A pastoral bíblica não pode ficar encerrada em grupos católicos
, mas deve ser ecuménica, de modo a atingir outros grupos e igrejas que se reclamam do Cristianismo.
b) Esta pastoral atinge diferentes níveis e âmbitos: diocese, paróquias, grupos, famílias…
c) Uma pastoral inculturada.
O elemento fundamental de uma Pastoral Bíblica é que ela seja “inculturada”. Para que esta inculturação se faça, é necessário:
d) Uma Pastoral Bíblica que leva a uma correcta interpretação da Bíblia. A Bíblia nasceu na comunidade e é para a comunidade que ela é dirigida, a fim de se tornar alimento da comunidade (DV 21). A Pastoral Bíblica pretende levar as pessoas a ler a Bíblia com o mesmo Espírito com que foi escrita, segundo os critérios dos autores humanos e do Espírito Santo (DV 12): o fundamentalismo e o misticismo.

7. Finalidade: tornar a palavra eficaz
a) Todos estes Agentes de Pastoral Bíblica têm como cometido fundamental fazer que a palavra de Jesus se torne eficaz.
A nossa civilização ocidental deu mais importância ao aspecto noético da Palavra que à sua eficácia, ao aspecto dinâmico (próprio da mentalidade semita), embora não tenha colocado de lado este último aspecto.
b) É neste sentido ainda que se pode falar do sacramento da Palavra. Na medida em que alguém está por detrás da Palavra, esta torna-se o sacramento do encontro com esse Alguém. Portanto, a Palavra não é o fim último da Pastoral Bíblica, mas o Alguém que está por detrás da parábola-palavra humana da Bíblia. Esse Alguém constitui, verdadeiramente, a Verdade da Bíblia.
c) Um outro motivo importante que nos deve levar a um estudo sério da Palavra de Deus é o facto de a própria Bíblia ser um dos sinais dos tempos, desde há um século a esta parte.
d) Que a Bíblia se torne o mais importante do programa de vida cristã dos católicos. Ainda não faz parte.
“Segundo um recente inquérito levado a cabo em França, Espanha e Itália, 80% dos “católicos praticantes” só ouve a Sagrada Escritura na missa do domingo, e apenas 3% desse grupo lê a Bíblia todos os dias; 40% dos inquiridos acredita que S. Paulo escreveu um Evangelho e 26% afirma o mesmo sobre S. Pedro.

8. A URGÊNCIA DE UMA PASTORAL BÍBLICA ORGANIZADA
* Será que a Bíblia é a verdadeira inspiradora da vida dos cristãos em todos os seus aspectos???
8.1. Pontos a ter em conta na formação bíblica:
* A centralidade da palavra de Deus, na formação teológica do clero e dos leigos e na pastoral.
Princípio fundamental: A Igreja só se renovará a partir de pessoas que tenham amadurecido a sua fé mediante um contacto habitual com a palavra de Deus.
8.2. Critério: “E necessário que toda a pregação da Igreja (...) se alimente e seja orientada pela Sagrada Escritura” (DV 21). O centro da palavra de Deus é a pessoa de Jesus, etc.
8.3. Materiais e meios da Pastoral Bíblica:
* E urgente criar no nosso país uma cultura bíblica, sobretudo no clero.
* Alertar para a urgência da formação bíblica. O preço desta negligência: muitos católicos foram parar a seitas fundamentalistas e anticatólicas; e a juventude não recebe uma evangelização capaz.
* Mas o mais importante será a formação de ANIMADORES/AGENTES DA PALAVRA, ou de Pastoral Bíblica, que deveriam constituir um verdadeiro Ministério da Palavra.
a) Os Animadores bíblicos devem nascer dentro da comunidade, para formar comunidades-fermento.
b) Ponto de partida (DV 22): “É preciso que esteja patente aos cristãos o acesso à S. Escritura”.
c) A metodologia é o contacto individual e comunitário, com a Bíblia, para uma “leitura fiel”.
d) A pastoral bíblica não pode ser pontual e isolada, mas um processo dinamizador da pastoral.
e) Fomentar a formação de grupos de reflexão bíblica — Lectio Divina.



Frei Herculano Alves,OFMCap. (trabalho apresentado no 4º dia da XV Semana Bíblica Diocesana 26/11/09)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

"S. Francisco de Assis e a Palavra de Deus"

S. Francisco viveu a sua vida com a consciência profunda do valor permanente e definitivo da Palavra de Deus. Santa Clara, como boa discípula do Santo de Assis, não fez mais do que seguir o seu exemplo e as suas palavras.

1. S. FRANCISCO DE ASSIS E O SEU AMBIENTE MEDIEVAL
S. Francisco de Assis, fazendo da sua vida e da dos seus um seguimento fiel de Cristo à luz do Evangelho, actuou na mais pura obediência à Igreja. Por isso, a sua reforma perdu­rou até hoje. S. Francisco quis também seguir “a altíssima pobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo”, não como Valdo.
Francisco sentia-se o arauto de Cristo, o portador de um Evangelho, uma Boa-Nova para toda a gente. Assim, na Carta a todos os Fiéis, afirma: “A todos aqueles a quem chegar esta carta, rogamos pela caridade que é Deus (1 Jo 4,16) que benignamente acolham as sobreditas odoríferas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo; e aqueles que não sabem ler, peçam a outros que lhas leiam com frequência”.

2. Palavra, fonte da sua vida e dos seus escritos
2.1. Os gestos e atitudes de Francisco:
Os gestos e as atitudes de Francisco exprimem, mais que as suas palavras, o amor à Palavra de Deus, ou mais ainda, à Pessoa de Cristo. Para Francisco, as palavras de Deus são, acima de tudo, a pessoa de Jesus Cristo.
A primeira etapa deste itinerário bíblico de S. Francisco é a pequenina igreja de St. Maria dos Anjos, a etapa do chamamento à Palavra de Deus, à conversão, depois de escutar o Evangelho da missão dos Apóstolos, na festa de S. Matias. Por isso, este amor à Palavra perpassará toda a sua vida até ao fim, até ao seu Testamento, que lembra esta “revelação” de Deus:
“E depois que o Senhor me deu o cuidado dos irmãos, ninguém me ensinava o que devia fazer; mas o meu Altíssimo me revelou que eu devia viver segundo a forma do Santo Evangelho. E eu assim o fiz escrever em poucas e simples palavras e o senhor Papa mo confirmou” (Test. nº 15).

2.2. Encontro com Cristo-Palavra. Quando o caminho lhe parece demasiado tortuoso, incerto, obscuro; mesmo quando não duvida, é a consulta da bússola do Evangelho que lhe indicará o Norte.
a. Quando Bernardo pede para viver o mesmo ideal, Francisco consulta o Evangelho.
b. Quando se encontra, entre um modo de vida conventual ou mais voltado para a vida activa, vai pedir a Sta. Clara que consulte o Evangelho. Mesmo doente ou impedido de participar na liturgia, lia ou pedia que lhe lessem o Evangelho do dia. A leitura da Palavra da Escritura é um meio para o encontro com a Pessoa de Cristo.

3. A Palavra nos escritos de S. Francisco: Como lia Francisco a Bíblia?
3.1.
Não fez tratado sistemático sobre a Bíblia, mas descobriu os seus valores, o coração da Palavra.
3.2. O vocabulário bíblico de Francisco é simples: Palavra, santas palavras, “santíssimas palavras divinas”, “palavras divinas”, “palavras de Deus” “palavras de Deus”, “palavras de Cristo”, “palavras do Senhor”, “palavras ordenantes do Senhor”; “Evangelho”, “Santo Evangelho”.
3.3. Mas esta simplicidade de vocabulário contrasta com a presença massiva de citações bíblicas: 156 citações do Antigo Testamento; 280 citações do Novo Testamento, de quase todos os livros. Na Regra de 1221 há 110 citações; na de 1223 há apenas 15; mas todas as suas afirmações se aproximam de frases da Escritura.
3.4. Francisco comenta a Bíblia com palavras da Bíblia, iluminando palavras do Antigo Testamento com Novo Testamento. Isso indica que Francisco tinha percebido a unidade intrínseca dos 2 Testamentos.
3.5. Outras vezes cita a Palavra de Deus com certas modificações, acrescentando o seu comentário pessoal. Fez um pequeno tratado de exegese na 7ª admonição, em sentido literal e espiritual.
3.6. Ele vê o grave risco que é ficar na letra, isto é, no humano, material das Escritura que, com suas técnicas de interpretação, não fazem ver o Espírito de Deus.
3.7. O horizonte bíblico de Francisco é amplo. Não se fixa só nalguns textos evangélicos! As duas Regras insistem na missão e no radicalismo evangélico; os outros escritos, outros aspectos. Vê sobretudo o Novo Testamento e neste os Evangelhos com 191 citações (Mt 75; Mc 15; Lc 58; Jo 43).
3.8. Mas em Francisco não é a estatística que conta, porque o espírito bíblico dos seus escritos encontra-se também em muitas outras palavras suas, que são citações implícitas de textos bíblicos.
3.9. Francisco não ignora que, além de Palavra de Deus, a Bíblia é também essencialmente palavra humana; por isso, deve ser estudada para ser melhor compreendida.
3.10. Mas o melhor estudo não era o dos livros: “Considero a vida eterna como valor supremo e o que no estudo das Escrituras é um investigador humilde e sem presunção, esse chegará facilmente do conhecimento de si mesmo, ao conhecimento de Deus” (LM XI, I).
3.11. Este amor à Palavra leva-o a esquadrinhar o seu sentido, como Maria (Lc).

4. Conclusões
a) Os escritos de Francisco, que têm origem em situações vitais e não em preocupações académicas, reflectem o seu itinerário bíblico pessoal.
b) A sua fé na Escritura faz proclamar a comparação Eucarística – Palavra de Deus (Test. 8-13).
c) Se acreditamos que Jesus Cristo é Senhor dos que vivem a sua Palavra, teremos que concluir que Ele era verdadeiramente o Senhor de Francisco, com quem este se enamorou. d) Por tudo o que acabamos de afirmar, Francisco é para nós um modelo na vivência da Palavra.

Frei Herculano Alves, OFMCap. (trabalho apresentado no 3º dia da XV Semana Bíblica Diocesana 25/11/09)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

"Os Teólogos que marcaram a História da Bíblia"

A Patrística. A escola da Alexandria. Estes autores foram os criadores da leitura alegórica da Bíblia.
Filão é o primeiro a ter em conta: um judeu formado na cultura grega. Defendia que as verdades eternas não podiam ser expressas em linguagem comum, mas em alegoria. Em Gen 2, 16 Deus diz a Adão para “comer livremente” de todas as árvores do paraíso: assim, para Filão, a alma humana deve adquirir todas as virtudes e não apenas uma.
Na mesma veia, Orígenes, distinguia os sentidos literal e alegórico como corpo e alma do texto, o visível e o invisível (2Cor 4, 18) de que Deus é o Criador. A leitura de Is 11, 6, que descreve como no reino messiânico o lobo habitará com o cordeiro não pode ser literal: foi esse o motivo de os judeus não terem reconhecido Jesus como Messias, uma vez que estas coisas não aconteceram.

OS PADRES OCIDENTAIS. A característica é a fuga da leitura alegórica. O grande iniciador da literatura latina foi Tertuliano.
São Jerónimo foi o que mais estudou a Bíblia e o maior biblista da antiguidade: a Vulgata é, ainda hoje, a tradução para latim mais usada. Ele usou a Héxapla de Orígenes e o texto hebraico mas distanciou-se da leitura alegórica.
S. Agostinho respondeu à questão do comportamento, por vezes inaceitável, de alguns dos patriarcas bíblicos: a linguagem tem significados que Deus pretende e que vão além da intenção do autor humano. Ele regressa à alegoria mas mantém a atenção ao sentido literal das narrações.
A Idade Média. A época que preparou muitas das descobertas que vieram mais tarde, contrariando a designação de “Idade das Trevas”. Avançou-se no conhecimento da gramática das línguas bíblicas. Destaca-se entre todos S. Tomás de Aquino. Os seus comentários envolviam filosofia tanto como teologia. Ele marca uma viragem para a consideração do sentido literal e para o uso de outros textos bíblicos para explicar um texto.

O Renascimento e a Reforma. Com o aparecimento da imprensa no séc. XV, o poderio da Igreja sofreu um resvés. As ideias espalhavam-se rapidamente e começou uma certa contestação às decisões de Roma. Aparece então Lutero, figura essencial neste período. Um monge ele próprio, revoltou-se contra a simonia e a ganância do clero, e começou a defender a doutrina da salvação pela fé, prescindindo das obras (baseado em Rom 1, 17: “o justo viverá da fé”, cf. Hab 2, 4). Escreveu 30 comentários bíblicos.
Outra figura essencial deste tempo, e o pai da exegese moderna, foi João Calvino. A sua interpretação partia do sentido literal, o que o próprio autor humano do texto pretendera transmitir; trabalhou a partir das línguas bíblicas e usou a edição crítica do NT de Erasmo de Roterdão. Tudo isto em coerência com o princípio de que a tarefa do exegeta é abrir aos leitores actuais a mente do autor antigo. Ele entrou em polémica com os Padres e as alegorias por os considerar artificiais; propôs-se escrever sobre todos os livros da Bíblia mas quando faleceu faltava ainda mais de um terço da Bíblia.
Entre os responsáveis pela resposta católica aos reformadores figuram Tomás de Vio e Roberto Belarmino. O primeiro escreveu vários comentários bíblicos que tiveram influência em Trento; o segundo foi responsável pela revisão da Vulgata, a chamada Bíblia Clementina que e que vigorou até ao Vat. II.

Iluminismo e a força da razão. Uma nova confiança no poder da inteligência humana foi visível nas ciências naturais e a razão, a nível filosófico, passou o princípio essencial para os intelectuais. Descartes Kant sobressaem na Filosofia; outros foram teólogos, como Espinoza. Este descendente de judeus portugueses defendia que a Bíblia tinha de ser conhecida de forma indutiva, tal como a natureza; muito do que ela contém é fruto de uma cultura que nos é desconhecida mais do que da verdade eterna de Deus.
Dignos de nota foram também os luteranos Bauer e David Strauss. Strauss escreveu uma “Vida de Jesus” em que considerava como mitos alguns dos acontecimentos da vida de Jesus: mito para ele era o resultado do que tinha sido visto pelas testemunhas e posteriormente enriquecido ou revestido com outras roupagens e detalhes. Ele negava não só o dilúvio, mas também o nascimento virginal de Jesus e a ascensão; o que é novo neste contexto é uma acentuada tendência a negar qualquer valor histórico aos evangelhos.

A crítica das formas, séc XX. Um pioneiro no estudo comparado da literatura bíblica foi Hermann Gunkel. O famoso “sitz in leben”, o contexto vital é aqui um conceito chave; há uma reconstituição dos estados de formação do texto, até ao ponto das suas origens não israelitas. Este método faz reconhecer os elementos mitológicos do livro do Génesis e foi mais tarde provado pela arqueologia; a autoria dos textos é vista como resultado da experiência colectiva de um povo e não de simples indivíduos.

A leitura canónica. Brevard Childs defendeu a necessidade de se fazer uma leitura canónica dos textos bíblicos. O estudo de um texto deve levar em linha de conta que os diferentes livros foram recolhidos há muitos séculos pelos redactores. Será, por isso, necessário considerar como é que estes redactores interpretavam esses livros; é a ideia de que cada texto não pode ser interpretado de forma isolada em relação ao resto do cânone.

Outras tendências recentes. Existe uma grande diversidade de correntes interpretativas, algumas dignas do nome de método, outras melhor entendidas como “aproximações”. Alguns exemplos são a recente leitura a partir das ciências sociais, como a antropologia cultural; é uma tentativa de reconstituir o ambiente daquele tempo em todos os seus aspectos. Pioneiros foram J. Elliot e Malina, entre outros.
Sob a designação de abordagem narrativa há um número cada vez maior de autores a desenvolver um trabalho meritório. Não esquecendo que a chamada análise literária engloba coisas tão diferentes como géneros literários ou assuntos de crítica textual… a novidade de que falamos aqui é a da introdução de uma série de novas palavras na linguagem exegética.
Categorias como leitor, narrador, leitor implícito, construção de personagens, caracterização das personagens, sistema de valores inerente à narrativa, ponto de vista dos intervenientes, etc. Este “método” usa as mesmas ferramentas que os autores dedicam a toda a grande literatura mundial; o objectivo é mostrar e descrever a riqueza dos textos e evidenciar a arte literária dos seus autores. Robert Alter.

Teólogos que marcaram a história da Bíblia - Textos
“Há duas razões pelas quais os textos não são compreendidos: se estão velados por sinais que são desconhecidos ou ambíguos. Os sinais podem ser simples ou metafóricos. São simples quando são usados para designar aquelas coisas para que foram orientados originalmente, como quando dizemos boi para significar o animal que todos aqueles que partilham a língua (latina) connosco chamam por este nome.
São metafóricos quando as próprias coisas que significamos com as palavras simples são usadas para significar outra coisa, como quando dizemos boi, e por esta sílaba entendemos o animal que normalmente assim é chamado, mas também por este animal entendemos o evangelista, o qual a própria escritura significa, de acordo com a interpretação do Apóstolo de não açaimarás o boi que debulha o grão (1Cor 9, 9; Dt 25, 4).
S. Agostinho, De doctrina christiana, livro 2, 15.

“Aquilo que é ensinado de forma metafórica numa parte da Escritura é ensinado de uma forma mais aberta em outras partes”.

Suma Teológica, 1.1.9

“Eu respondo que o autor Das Escrituras é Deus, a quem pertence o poder de significar o seu sentido não apenas em palavras (como o homem também faz), mas também nas próprias coisas. Assim, enquanto em todas as outras ciências as coisas são significadas por palavras, esta ciência tem a propriedade de que as coisas significadas pelas palavras têm elas próprias significado. Por isso, o primeiro significado, no qual as palavras significam coisas, pertence ao primeiro sentido, o histórico ou literal.
Aquele significado pelo qual as coisas significadas pelas palavras têm elas próprias significado é chamado sentido espiritual, que é baseado no literal e o pressupõe. Ora, este sentido espiritual tem uma divisão tripartida. Porque, como diz o apóstolo (Heb 10, 1) a Velha Lei é a figura da Nova Lei, e Dionísio diz “a Nova Lei é, ela própria, uma figura de glória futura”. Novamente, na Nova Lei, o que quer que a nossa Cabeça tenha feito é um tipo do que nós devemos fazer.
Então, enquanto as coisas da Velha Lei significam as coisas da Nova Lei, há um sentido alegórico; enquanto as coisas feitas em Cristo ou as coisas que significam Cristo são tipo do que devemos fazer, há sentido moral. Mas enquanto significam o que se relaciona com a glória eterna, há sentido anagógico. Uma vez que o sentido literal é aquele que o autor pretende e o autor da Sagrada Escritura é Deus, que por um acto compreende todas as coisas no seu intelecto, não é desadequado, como diz Agostinho, se mesmo de acordo com o sentido literal, uma palavra na Escritura tem vários sentidos.”

Suma Teológica, 1.1.10.

Para Lutero, o Novo Testamento era constituído principalmente pelo Evangelho de São João e pelas Cartas de São Paulo e São Pedro; ao contrário, os três Evangelhos sinópticos não lhe mereciam muito apreço. No prólogo de uma de suas edições do Novo Testamento, escreve:
"Deve-se distinguir entre livros e livros. Os melhores são o Evangelho de São João e as Epístolas de São Paulo, especialmente aquelas aos Romanos, aos Gálatas e aos Efésios, e a 1ª Epístola de São Pedro; estes são os livros que te manifestam a Cristo e te ensinam tudo o que precisas para a salvação, ainda que não conheças nenhum dos outros livros. A Epístola de São Tiago, diante destas, nada mais é que palha, pois não apresenta nenhuma marca evangélica".
De outro lado, nega que a Epístola aos Hebreus pertença a São Paulo; e da Epístola de São Judas, diz que é um extracto da de São Pedro e, portanto, desnecessária. A respeito do Apocalipse, expressa sua rejeição, pois não concebe que Cristo aja como um juiz severo:
"Não encontro neste livro nada que seja apostólico, nem profético"
Quanto aos livros do Antigo Testamento, faz uso do mesmo procedimento arbitrariamente selectivo de aceitá-los ou rejeitá-los conforme coincidam ou não com as suas próprias interpretações teológicas. Apesar disso, a Bíblia de Vitembergue seguiu seu incessável curso e continuou a ser aceita por um amplo sector do povo alemão e também dos países do norte da Europa.

Lluís Pifarré
http://www.veritatis.com.br/article/4894

“É Ele que nos torna aptos para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito; porque a letra mata, enquanto o Espírito dá a vida.” (2Cor 3, 6)

A exposição forçada por Orígenes divulgou-se bastante –segundo a qual por letra dever-se-ia entender gramatical e genuíno sentido da Escritura, ou sentido literal, (como é chamado) e de que por espírito se entende o sentido alegórico que é normalmente reconhecido por ser o sentido espiritual. Dessa maneira, durante vários séculos, nada era mais difundido e aceite do que isto –que Paulo aqui fornece a chave para se expor a Escritura por alegorias, embora nada fosse mais alheio às suas intenções.
Porque pelo termo letra ele quer dizer a pregação exterior, do tipo que não chega ao coração; e, por outro lado, por espírito ele quer dizer doutrina viva, de uma tal natureza que é eficaz (1Ts 2, 13) nas mentes dos homens, pela graça do Espírito. Pela palavra letra, portanto significa-se pregação literal –ou seja, morta e ineficaz, percebida apenas pelo ouvido.
Pelo termo espírito significa-se doutrina espiritual, ou seja, não apenas dita com a boca, mas que chega de facto às almas dos homens com um sentimento vivo.

Comentário a Coríntios, João Calvino.

(Critérios para distinguir o não histórico na Narrativa dos Evangelhos)
Quando a narração é irreconciliável com as conhecidas leia universais que governam o curso dos eventos. De acordo com estas leis, em acordo com todas as justas concepções filosóficas e toda a experiência credível, a causa absoluta nunca disturba as causas secundárias por actos arbitrários actos isolados de interposição, mas antes manifesta-se na produção do agregado de causalidades finitas e da sua acção recíproca.
Quando, por isso, encontramos um relato de certos fenómenos e acções das quais é expressamente afirmado ou subentendido que foram produzidas pelo próprio Deus de forma imediata (aparições divinas, vozes do céu, e assim), ou por seres humanos possuídos por poderes sobrenaturais (milagres, profecias), tal relato adequa-se a ser considerado não histórico.
E, porquanto o misturar do mundo espiritual com o humano é encontrado apenas em registos não autênticos e não pode ser reconciliado com as concepções justas; então narrações de anjos e diabos, da sua aparição em forma humana e interferência em assuntos humanos, não podem ser recebidas como históricas.

A Vida de Jesus, David Strauss

Muitos mitos respondem a questões e ensinam. Assim é com as histórias primordiais do Génesis. A história da criação pergunta: de onde vêm o céu e a terra? Porque é o sábado santo? A narração do jardim pergunta: de onde vêm o intelecto humano e o destino da morte? De onde vêm o corpo humano e o espírito? De onde vem a linguagem? De onde vem o amor entre os géneros?
Porque é que a mulher sofre tanto no parto, o homem tem de lavrar a terra teimosa e a serpente rasteja sobre o seu ventre? E por aí fora. Nestes casos, a resposta à questão constitui o conteúdo intrínseco da história.
As histórias do Génesis, Hermann Gunkel

A aproximação canónica à Bíblia Hebraica não faz afirmações dogmáticas sobre a literatura separadas da própria literatura, como se estes textos contivessem apenas verdades intemporais ou comunicadas num idioma único, mas antes estuda-os como escritos histórica e teologicamente condicionados aos quais foi dada uma função normativa na vida desta comunidade.
Também é reconhecido que os textos tiveram uma função religiosa, em relação directa com o culto e o serviço de Deus que Israel professava ser a fonte da palavra divina. A testemunha que é o texto não pode ser separada da realidade divina de que Israel deu testemunho como sendo quem provocou uma resposta.

Introdução ao Antigo Testamento enquanto Escritura, Brevard Childs


Dr Teodoro Medeiros (trabalho apresentado no 2º dia da XV Semana Bíblica Diocesana 24/11/09)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

"Cristo, Verbo Encarnado"



O Filho de Deus. Para se considerar Cristo como Palavra do Pai, é essencial explicar a origem e o significado que a proclamação de Filho implica: são duas proclamações inseparáveis.

Antigo Testamento. Ben, hebraico e bar, aramaico. 1- O sentido de anjos, aqueles que estão na presença de Deus e são seus mensageiros, Dan 3, 91. Esta passagem foi, mais tarde, ligada a Cristo pelos Padres da Igreja, enquanto os rabis rejeitavam a ideia de chamar os anjos de filhos de Deus. Em Sb 2, 18 o justo também é chamado filho de Deus. 2- O povo de Deus. Israel é o filho primogénito de Deus, Ex 4, 22. 3- O rei da descendência de David, 2Sam 7, 14; Sl 2, 7 (Tu és meu filho, eu hoje te gerei) e Sl 110, 1-4.


Paralelos gregos. O panteão grego de deuses inclui, obviamente, os filhos dos deuses, sendo Zeus o deus pai; o sentido dado a estes filhos é afastado da proclamação do NT. Os estóicos defendiam que cada homem, por possuir razão, é filho de Zeus; neste caso, é fácil perceber que a popularização deste conceito torna desnecessária a figura de um qualquer redentor ou intermediário entre Deus e os homens. As religiões mistéricas. É necessário esclarecer alguns mitos criados pelo início da fenomenologia das religiões: não existem precedentes de um filho de Deus que morre e ressuscita. Héracles, grego, Adónis, fenício, Átis, frígio e Osíris, egípcio, não são redentores do povo; são figuras que combatem o caos e vencem a morte, assegurando o poder dos deuses sobre o mundo e servindo de referência mítica para explicar os mistérios da existência humana. Não esquecendo que estes cultos tiveram maior difusão depois e não antes de Cristo.


Um redentor do céu. O redentor místico dos gnósticos aparece em livros como Actos de Tomé; estes são frequentemente apresentados como prova de influência sobre a cristologia cristã. No entanto, são obras do séc. III. E estão em polémica contra a doutrina cristã: há razões para crer que o gnosticismo se desenvolveu integrando elementos cristãos. Para os gregos, a “redenção” significa impor a ordem, o logos perdido. “A saga de Rómulo” de Ennio e Plutarco afirmam a descida daquele personagem ao mundo com uma missão e que termina numa ascensão: é essencial recordar que se trata de uma perspectiva neo-platonista que nega, por exemplo, qualquer hipótese de poder haver ressurreição corporal.
A presença de deuses entre os mortais é antiga (Odisseia) e nos Actos aplicada a Paulo e Barnabé. Mesmo no caso de esses deuses se relacionarem com os mortais, mantêm a sua condição distinta: os seus corpos são uma ilusão e eles não podem na realidade morrer. Entre os judeus, sobressai o chamado “metatron”; é o próprio Henoc que é entronizado ao lado de Deus como todo-poderoso, colocado acima dos anjos e príncipe do mundo. Outros casos são o apócrifo “A oração de José”, em que Jacob é chamado de um arcanjo encarnado, criado antes de todas as outras coisas: depois da sua vida, ele regressa ao lugar que antes lhe pertencia no céu.


A formulação de fé do NT. Rom 1, 3-4 é uma antiga fórmula de fé e que estabelece 2 pontos essenciais: a) a sua ascendência é davídica, portanto messiânica; b) ele é constituído Filho de Deus na glória de Deus, uma vez que ressuscitou dos mortos. Jesus é Messias porque rei dos judeus e é Filho pela ressurreição; o que liga estes 2 últimos elementos? Cf. o uso desta expressão em Paulo (Rom 8, 3. 29, 32; Gl 1, 15-16; 4, 4). Jesus é ressuscitado em continuidade com a sua intimidade com aquele a quem ele chama de Abba (Mc 14, 36; Rom 8, 15; Gl 4, 6).
Mas o verdadeiro argumento parte da Escritura: 2Sam 7, 12-14 base para a formulação que vimos em Rom 1 (bem como Lc 1, 32-33; Act 13, 33-34; Heb 1, 5). O texto de Samuel e o Salmo 2 são a base da cristologia das primeiras comunidades. Esta surge portanto como um reflexo das esperanças messiânicas profundamente judaicas. Tendo em conta que “Cristo é o fim da lei”, Rom 10, 4, então ele substitui a Torah, e isso sim, é uma afirmação forte e escandalosa.

O conceito de palavra (Logos, rhema, davar, millah, emer, )

Filosofia Grega. Heráclito foi o primeiro a usar logos, no sentido de proporção, explicação. É possível que ele entendesse também um princípio cósmico responsável pela ordem do mundo; mesmo assim, tratava-se de um conceito material e extensivo do fogo. Em Platão o conceito é um discurso ou o próprio pensamento que passa para os lábios; o discurso racional é o nível mais alto do existir, embora não garanta conhecimento a partir dos sentidos; o discurso é elevado porque leva à essência das coisas (a ousia). Para Aristóteles, o logos é definição, razão e discurso; é a racionalidade que distingue homens de animais. É possível ao homem agir correctamente se atender às normas ditadas pelo raciocinar correcto (orthos logos).
Para os estóicos Deus e a realidade eram a mesma coisa, sendo o logos o elemento racional que controla e orienta o universo. Era assim o elemento activo da realidade enquanto a matéria sem qualidade era o elemento passivo. O logos era também material, embora fosse parte da própria natureza dos homens, estava espalhado nos elementos naturais como sementes (logos spermatikoi). O platonismo ecléctico (80 aC- 220 dC) distinguia 2 aspectos da divindade, o primeiro era a transcendência, o estar separado do mundo; o outro era o poder activo que dava ordem a tudo no universo. Este último era designado por alguns destes filósofos como logos.


A versão Setenta. A versão grega do AT usa logos e rhema para traduzir davar, millah e emer. Rhema predomina no Pentateuco e logos nos livros proféticos, provavelmente porque logos abrangia mais facilmente o sentido de oráculo ou provérbio. A tradução de davar por logos implicou que, na diáspora, se estendeu o sentido de algumas passagens bíblicas que ganharam outra dimensão filosófica (cf. Sl 33, 6; Sir 39, 17-18).
A especulação judaico-helenista. Filão de Alexandria (20aC-50dC); ele tentou aplicar a filosofia para descodificar as escrituras. Sob influência do platonismo, distinguiu o logos como imagem de Deus (Ele próprio inacessível), o mais elevado de todos os seres e que serve de modelo a todos os outros; é ele o instrumento que dá ordem ao mundo. O logos tem assim o poder criador e de governo. Ele liga o poder criador à palavra Elohim e o de governo a Senhor (kyrios) que traduzia o hebraico Javeh na LXX. Em Gen 1, 7 o homem é criado de acordo com a imagem de Deus e não como sua imagem (algo que está na versão grega e não no hebraico). Filão vê aqui então o homem formado de acordo com o logos, como que em terceira mão.


O Novo Testamento. Logos comparece 331 vezes; é uma frase (Lc 20, 20), história (Mt 28, 15), uma ordem (Lc 4, 36), um provérbio (Jo 4, 37). O significado mais característico é, no entanto, o da revelação divina que se dá em Jesus; é a mensagem cristã, palavra de Jesus e palavra de Deus (Act 4, 31; 20, 32; Jo 5, 24; 12, 48; Col 3, 16). S. João faz uma espécie de resumo cristológico no seu prólogo, 1, 1-18 e merece ser estudado com algum detalhe. Os versículos 6-8 e 15 são de adição do escritor ou redactor do evangelho de João.
O logos, Targum e Midrash. Foi descoberto em 1955 o Targum Neofiti; aí se explicita, no midrash das 4 noites (sobre a Páscoa) que na criação a memra de Deus era a luz e brilhou; era a primeira noite. Também o Targum Pseudo-Jónatas de Gen 3, 24 usa elementos semelhantes, e uma estrutura semelhante também (Jo 1; a- Palavra=Deus, 1, 1-2; b- tudo foi feito por Ele, 1, 3; c- luz, 1, 4-5; c’- luz, 1, 6-9; b’- o mundo foi feito por Ele, 1, 10-13; a’- Palavra=Deus, 1, 14-18).


O gnosticismo. As descobertas de Nag Hammadi deram a oportunidade de revelar vários livros desta corrente religio-filosófica. A verdade é que se sabe pouco sobre quem eram e o que faziam os gnósticos, e estes textos são dos séculos II e III dC: mesmo assim, é admitido que o nível de redacção mais primitivo pode remontar ao primeiro século. No Protenoia Trimórfico, um redentor divino apresenta-se 3 vezes ao mundo; a terceira é sob a forma de logos ou filho:

Eu me revelei a eles nas suas tendas (skene) como palavra e revelei-me à semelhança da sua forma. E usei a roupa comum e escondi-me no meio deles.


Dr Teodoro Medeiros (trabalho apresentado no 1º dia da XV Semana Bíblica Diocesana 23/11/09)

domingo, 8 de novembro de 2009

Para compreender o relato de Caim


O livro do Génesis (c.4) relata que Adão e Eva geraram dois filhos, Caim (agricultor) e Abel (pastor). Ambos eram muito religiosos, oferecendo a Deus os frutos do seu trabalho: Caim, os produtos do campo, Abel, as primeiras crias do rebanho. Mas... a Deus só agradava a oferenda de Abel, desconhecendo-se a razão da preferência e o modo como Caim tomou conhecimento dessa discriminação, só se sabendo da amargura de Caim pela atitude divina. Então, Deus dirigiu-se a Caim (Gn 4,7), mas este não quis escutar Deus e começou a alimentar o ódio contra o seu irmão Abel, até que um dia o convidou para ir até ao campo, onde o atacou e matou.
Após um diálogo com Deus (Gn 4,10-12), Caim tomou consciência do que fizera e lançou um grito de profunda dor (Gn 4,13-14). Deus comoveu-se com o seu pranto e prometeu vingá-lo sete vezes se alguém tentasse matá-lo, pondo-lhe um sinal de protecção e salvação para que quem o visse o reconhecesse e respeitasse. Caim saiu da terra que costumava cultivar e refugiou-se no deserto.


Ao ler este capítulo, deparamo-nos com um Caim desfigurado, diferente da imagem apresentada pela tradição, já que, por um lado, ele é menos mau e, por outro, não nos é dito que Abel fosse bom (repare-se que Abel tem um papel secundário nesta narração bíblica: não diz uma única palavra, só padece, Deus não lhe fala. A figura principal é Caim. Em hebraico, o nome Abel significa nulidade ou vazio, enquanto Caim quer dizer adquirir). O facto de Deus ter preferido as oferendas de um mais do que as do outro, não significa que um fosse bom e outro mau. Era um facto comum na antiguidade, onde o rei, faraó ou imperador podiam escolher as pessoas como bem entendessem, sem que isso significasse critérios de moralidade, injustiça, ou desprezo pelos outros.
Mas o que mais chama a atenção é uma série de contradições e pormenores incoerentes com a História e o resto do relato, dos quais exemplificamos apenas três:

1) Se Caim e Abel são filhos dos primeiros humanos (que habitaram a terra há milhões de anos e eram recolectores, ou seja, viviam da caça, pesca e da recolha dos frutos espontâneos do solo) como é que podiam conhecer a pastorícia e a agricultura que só surgiram em 10.000 a.C. e 8.000 a.C., respectivamente?

2) Depois do seu crime, Caim afirma que o primeiro a encontrá-lo o matará (Gn. 4, 14), mas quem poderia matá-lo se não existia mais ninguém a não ser Adão e Eva?

3) No v. 17 refere-se que "Caim concebeu e deu à luz Henoc". Onde é que ele arranjou mulher? Alguns chegaram a supor que se tratasse de Eva, a sua própria mãe, pois nessa época o incesto não estava proibido.

Hoje, os estudos bíblicos ensinam que a história de Caim apresenta estas incoerências, porque passou por três etapas sucessivas até acabar no relato do Génesis.
a. No início era um conto popular, transmitido oralmente e independente do relato de Adão e Eva, onde se narrava a história do herói Caim, fundador da tribo dos caimitas, vizinhos dos israelitas. A história incluía também o seu casamento, talvez com alguma das muitas jovens pertencentes aos clãs que então habitavam o deserto e o nascimento do seu filho Henoc. Esta história seria contada pelos próprios caimitas, orgulhosos do seu fundador Caim.

b. Quando esta história chegou aos ouvidos dos israelitas, estes modificaram-na em vários aspectos. Os caimitas viviam em pleno deserto, dedicando-se à pilhagem de outras tribos e, por isso, os israelitas consideraram que era um castigo de Deus por algum delito cometido pelo seu fundador. Não sabiam qual era o delito, mas como os caimitas assolavam permanentemente as colheitas das tribos suas irmãs de raça, imaginaram que fosse um delito contra o seu irmão. Além disso, esses beduínos eram famosos pelas terríveis vinganças que perpetravam contra quem matava um dos seus membros, daí a referência que aparece no v. 15 e também é possível que a dita tribo apresentasse exteriormente algum sinal ou tatuagem. Nesta segunda etapa, a tradição hebraica transformou o herói dos caimitas num fratricida castigado por Deus a viver uma vida errante.

c. Na época do rei Salomão, a história passou a uma terceira etapa. O lavrador expulso da terra cultivável e condenado a errar para sempre, prestava-se para aprofundar a explicação sobre a presença do mal no mundo. Com alguns retoques, a história foi colocada a seguir ao relato de Adão e Eva, apesar das incoerências daí resultantes. Nessa época já se colocavam questões angustiosas como as da existência do mal e o motivo do sofrimento. O autor bíblico respondeu com a história de Adão e Eva: porque o homem desobedeceu a Deus, ao comer o fruto proibido, preferiu a sua própria vontade à do Criador e cortou relações com Ele. Ao acrescentar a história de Caim, condenado a uma vida penosa e dura, por faltar contra o seu irmão, completou o seu ensino, dizendo que o mal cresce no mundo pelos delitos contra os outros homens.

Assim, trata-se do segundo pecado original. O relato de Adão e Eva (Gn 2 e 3) tinha quatro partes: ordem de Deus (não comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal; Gn2,17), desobediência do homem (comeu-o; Gn 3,6), castigo de Deus (Gn 3,14) e esperança de salvação (Deus fez a Adão e Eva túnicas de peles e vestiu-os; Gn 3,21). Também o relato de Caim e Abel apresenta as mesmas partes: ordem de Deus (se procederes bem..., se procederes mal...; Gn 4,7), desobediência do homem (Caim mata o irmão; Gn 4,8b), castigo de Deus ("serás amaldiçoado pela terra..."; Gn 4,11), esperança de salvação (o Senhor marcou-o com um sinal...; Gn 4,15b). Quer dizer, o autor pretende propor o mesmo tema que o relato de Adão e Eva: a origem do mal, mas agora com uma resposta diferente. No primeiro a explicação do mal no mundo dependia das relações do homem com Deus, no segundo depende da ruptura de relações com o irmão.

A lição de Caim é revolucionária para a sua época e pretende deixar claro que o crime contra o irmão é tão grave quanto o crime contra Deus.

(Adaptado de Ariel Álvarez Valdés, com tradução de Lopes Morgado, Revista Bíblica, nº 310)

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